Assistencialismo x Marketing

 

A Bolsa Futebol

Por: Marcelo Paciello

O assistencialismo é a ação de pessoas, organizações governamentais e entidades sociais junto às camadas sociais mais desfavorecidas, marginalizadas e carentes, caracterizada pela ajuda momentânea, filantrópica e pontual (doações de alimentos e medicamentos, por exemplo). Tal prática, desprovida de teoria, não é capaz de transformar a realidade social das comunidades mais pobres, pois atende apenas às necessidades individuais e a ajuda é feita por meio de doações. A falta de mudanças estruturais significativas não tira os necessitados da condição de carentes, pois não há elaboração de projetos e políticas assistenciais. Um dos problemas suscitados pelo assistencialismo é a conservação da situação de carência das camadas marginalizadas por finalidades político-econômicas, visto que, por ser uma prática de doação, é um ótimo meio de construção de uma imagem favorável dos doadores em relação a certos públicos (principalmente os mais desinformados).

Você deve estar se perguntando:  o que um blog que fala de futebol e arte está querendo propor com assistencialismo?

Andei refletindo sobre os valores da nossa sociedade e cheguei a conclusão que o Brasil é um país em que o assistencialismo impera em todas as camadas sociais. Para ilustrar meu raciocínio, seguem alguns exemplos que comprovam minhas suposições:

– muitos estudantes buscam um bolsa de estudos para não ter que pagar seus estudos, mesmo aqueles com maior nível social;

– as classes menos favorecidas buscam o bolsa família para se manter, transformando essa renda em salário, já que não existe foco na mudança estrutural do sistema;

– grande parte da classe média busca um trabalho como funcionário público, visando fugir da meritocracia e da competitividade do mundo corporativo, funcionando como um bolsa salário;

– muitos empresários buscam financiamentos com juros subsidiados dos bancos públicos, funcionando como uma bolsa empreendedorismo.

De acordo com o relatório “Análise de Mercado – 20 clubes brasileiros” (BDO Sports Manangent, 2015) as receitas com direito de transmissão é de 36%,  marketing 15%, venda de jogadores 13%  e bilheteria 11% do faturamento, enquanto os direitos de transmissão é a principal receita, com 36%. Marketing (15%). Esses dados demonstram que os clubes brasileiros buscam desesperadamente pelas cotas de TV, a qual considero a Bolsa Futebol no Brasil

Ao se comparar com os grandes times do futebol europeu, as maiores fontes de receita são provenientes do marketing, que, de acordo com o relatório Football Money League são as receitas com patrocínio, venda de produtos, tour nos estádios, museus e outras receitas comerciais. As exceções nessa relação são os clubes pequenos da Inglaterra e os clubes italianos, que vivem situação similar aos clubes brasileiros em termos de receita.

A diferença entre as duas realidades é que,  para se conseguir maiores receitas através do marketing, a postura deve ser pró ativa, onde a credibilidade, um negócio com maior transparência, a governança, gestão profissional, uma equipe sólida no departamento de marketing, um campeonato mais atrativo, uma liga forte, grandes jogadores, um grande potencial de consumo por parte das torcidas são fundamentais.

Já onde a receita de TV é a maior fonte de arrecadação, a postura normalmente é mais passiva, onde todos os atributos acima mencionados não são necessários, e nem a gestão dos clubes tem algum peso na distribuição das cotas. Essa situação faz com que distorções entre o faturamento dos clubes façam com que surjam grandes diferenças entre os níveis das equipes, priorizando uns em detrimentos de outros.

Adaptando a definição de assistencialismo do início deste post com a realidade dos times de futebol no Brasil, mudanças estruturais são fundamentais para que os clubes não dependam do assistencialismo da TV. Essa mudança só ocorrerá com a profissionalização da gestão, pois ainda ainda hoje os clubes são dependentes de decisões voltadas mais para interesses pessoais do que com foco num estratégia de longo prazo.

Um dos problemas suscitados pelas cotas de TV é a conservação da situação de carência dos clubes, principalmente os que recebem menos das emissoras por finalidades e interesses político-econômicas, visto que, por ser uma prática de doação, é um ótimo meio de construção de uma imagem favorável  e de dependência das cotas de TV (principalmente os clubes com má gestão).

Ao raciocinar sobre o tema, me recordei a anedota do elefante:

Você já observou elefante no circo? Durante o espetáculo, o enorme animal faz demonstrações de força descomunais. Mas, antes de entrar em cena, permanece preso, quieto, contido somente por uma corrente que aprisiona uma de suas patas a uma pequena estaca cravada no solo. A estaca é só um pequeno pedaço de madeira. E, ainda que a corrente fosse grossa, parece óbvio que ele, capaz de derrubar uma árvore com sua própria força, poderia, com facilidade, arrancá-la do solo e fugir.
Que mistério! Por que o elefante não foge?
O elefante do circo não escapa porque foi preso à estaca ainda muito pequeno. Imagine o pequeno recém-nascido preso: naquele momento, o elefantinho puxou, forçou, tentando se soltar. E, apesar de todo o esforço, não pôde sair. A estaca era muito pesada para ele. E o elefantinho tentava, tentava e nada. Até que um dia, cansado, aceitou o seu destino: ficar amarrado na estaca, balançando o corpo de lá para cá, eternamente, esperando a hora de entrar no espetáculo.
Então, aquele elefante enorme não se solta porque acredita que não pode. Para que ele consiga quebrar os grilhões é necessário que ocorra algo fora do comum, como um incêndio por exemplo. O medo do fogo faria com que o elefante em desespero quebrasse a corrente e fugisse.
Será que o povo brasileiro foi tratado sempre como o elefante, que sempre dependeu do assistencialismo desde pequeno e agora não tem forças e vai sempre aceitar ficar preso na estaca, e sempre irá aceitar seu destino sem saber da força que tem?

Já passou da hora de acabar com a Bolsa Futebol no Brasil, que representa atualmente os mesmos valores enraizados na sociedade brasileiro, onde poucos privilegiados recebem muito e a grande maioria recebem pouco, somatizado pela má gestão e falta de profissionalismo, fazendo com que a dependência das cotas de TV seja fundamental para as receitas dos clubes.

O departamento de marketing precisa ser visto não como despesa, mas sim como investimento, mas sem uma mudança estrutural no futebol brasileiro, com profissionalização, punição para os maus gestores, valorização da meritocracia das melhores gestões, maior transparência, governança esse cenário não vai mudar.

Sou um sonhador e otimista, e acredito que o incêndio chegará, talvez já esteja chegando, e  que um dia será possível explorar todas a propriedades possíveis, além de aumentar os valores das atuais propriedades, com a criação de uma grande liga nacional, tendo como visão ser uma das 5 maiores ligas de futebol do mundo.

Que esse incêndio venha logo para queimar as raízes da nossa sociedade, e que as mudanças estruturais ocorram de forma contundente, para que o Brasil, em todos os seus segmentos e camadas da sociedade possam explorar todas as suas potencialidades.

Fonte: Blog Futebol e Arte